“Tudo é silêncio às seis horas da tarde. Agora seis horas da manhã não. Os passarinhos fica alegre. À tarde é a hora mais triste. Vai chegando à noite...” trecho da fala do Seringueiro - A borracheira (Daniel Graziane)
A noite fui visitar meus familiares. Conversávamos sobre minha estadia na cidade e o objeto da pesquisa. Uma amiga da família comentou ter vivido por dois anos no seringal, porém um silêncio profundo seguiu a frase, finalizou com "sofri demais". Minha avó contou um pouco sobre o que via pela cidade na época da borracha, e terminou o diálogo com "foi difícil". Lembrei-me da fala do seringueiro em A Borracheira: "Hoje, vejo as pessoas falar que aqui tá ruim. Tá ruim? Nunca passaram por coisa ruim". A conversa foi a luz da lua, enquanto produziam os pastéis pra serem vendidos na Banca da Naly no dia seguinte. Um encontro com narrativas e memórias.
Minha ligação com a natureza durante esta pesquisa tem sido intensa. O percurso até o Rio Pacaás não foi diferente. A sensação de integrante "daquele pequeno mundo ali" tem se tornado frequente. Ao mergulhar no rio (com auxílio do colete salva-vidas, já que não sei nadar), vivi sensações únicas. A frieza da água me desperta, a correnteza me desafia e a beleza do rio iluminado me faz contemplar o horizonte e sua magnitude.
Percebo uma movimentação um pouco distante, desconfio que seja um boto. Comento com os outros. Continuo atenta, temerosa e curiosa. Confirmado.Um boto! Um boto que passaria despercebido. Tal fato conduz a acreditar, ainda mais, em minha integração ao meio natural. A mulher e a natureza sento complementares. No retorno, o pôr do sol e pássaros me encantavam.
Ainda com a lua no céu, senti que o dia seria encantador. Saímos cedo para a casa de Maria Waldelice da Silva (conhecida como Vovozona), ela estava finalizando o preparo da chicha. Observei os diversos processos e sua narrativa. Enquanto ela discorria sobre o repasse dessa tradição para seus descendentes, fico encantada. A contação de suas vivências, fatos históricos e pessoais, suas tradições e descrição dos procedimentos de produção da chicha me fazem refletir sobre a importância da oralidade e como é valorosa a experiência de encontro para contação de histórias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário