Memórias Poéticas... Os diários de bordo & tripulantes-sobreviventes



 
Trajeto para Costa Marques, Por Taiane Sales. 

O horário para saída era das 19h, cheguei 10 min antes. Todos d'O Imaginário já estavam presentes. Escolhi meu assento, o último, onde tinham 5 poltronas que daria para deitar e dormir tranquilamente. Procurei saber informações sobre a quantidade de integrantes da excursão,  pois assim eu poderia ter esperanças de ocupar as 5 cadeiras (por vezes me vi como A egoísta, o que já desencadeou uma problematização interna). Dirigi-me aos motoristas e iniciei um breve diálogo, fui informada da quantidade de passageiros e do atraso que aconteceria. Logo, avisei os mesmos que aproveitaria esse tempo para ir à igreja, pois precisava ir ao banheiro. Eles riram. Notei que tal atitude quebrou uma barreira, aproximando-nos de forma horizontal, intermediada pelo riso.

Fui à igreja. Percebi vários olhares curiosos, desde o senhor da pipoca, até o padre que direcionava seu olhar à mim, porém fugia quanto à minha retribuição. Cheguei no momento inicial do rito da eucaristia, participei por alguns minutos. Mas com a formação da fila para comungar, fui ao banheiro. Voltei para o ônibus em seguida.

Enfim, era chegada a hora da partida, por volta das 20h. Não demorei muito para deitar e descansar. Porém, algumas horas depois meu corpo quis saltar do banco e foi puxado de volta pelo cinto de segurança. 


Acordei assustada, imaginando que o ônibus tinha batido em algo. Todos passageiros acordaram, o motorista esclareceu não ter visto uma lombada. Fui acalmando e voltei ao sono. Novamente, outro salto. Assustei-me e já me preocupei com a possibilidade dele não está enxergando ou está dormindo mesmo. A guia turística da expedição, que estava ao lado do motorista, deu uma explicação e voltei a me tranquilizar. Pensei comigo mesma que na terceira vez iria ficar acordada, pois "três já é demais". E assim aconteceu, na terceira vez, soltei um palavrão e fiquei alguns minutos acordada, percebi que algumas placas, ora ficavam cobertas por matos, ora nem existiam para avisar a presença de lombadas. Então, rendi-me ao sono novamente. A partir dali, permiti-me vivenciar todos os momentos da melhor maneira. Nos saltos posteriores, eu não me preocupava mais, em alguns eu simplesmente virava pro outro lado e aproveitava o sono. Horas depois, chegávamos a Costa Marques. Desci e fui tomar café, senti o corpo dolorido e percebi alguns hematomas. Apesar de evitar ao máximo fazer uso de medicamentos, tomei um relaxante muscular. Deitei por alguns minutos e preparei as coisas para a trilha. 

Por Edmar Leite

Saída de Porto Velho, pela noite, 19 e tantas, espera, um pouco de impaciência de minha parte, incertezas, são 12 horas? A bateria do celular logo acabaria, vontade de ler mas a luz da minha poltrona não funcionava, cabeça cheia de pensamentos tortos, tinha quase certeza de que eu não conseguiria dormir, uma palavra amiga me acalma coração e mente, consigo pegar no sono; numa literal sensação de perder o chão, sou içado da cadeira, todos acordam em espanto, sensação de riso misturado a choro, foi um quebra-molas não visto.. aprendo a lição e coloco o cinto de segurança. Outras vezes acordo devido aos quebra-molas não vistos, porém sem tanto espanto; num determinado momento parece que apenas eu estou acordado, enquanto todos dormem, solidão. Apesar de tudo consigo descansar bem...

 
Chegamos ao destino, Costa Marques; estou disposto, curioso, aberto; nos instalamos no hotel, café da manhã reforçado e partimos para o Forte; um trecho de média distância de estrada e vamos chegando, como num jogo de ilusão o Forte surge de repente diante de nossos olhos, isso logo me lembrou das aulas de história regional que dizia que nosso Forte era "camuflado" que quando uma embarcação inimiga conseguisse o ver já seria tarde demais; antes de seguir para o Forte encontramos o guia local, assinamos presença, registramos nossa presença e visitamos o pequeno Museu que continha plantas, objetos do local; ao redor do forte aquela sensação de grandeza, percebemos que existe um fosso e uma murada ao redor de todo ele, tudo isso contribui para sua camuflagem; sistemas de auto-defesa; alguns erros históricos nos são corrigidos, o maior deles é sobre seu material de composição, pedraria local e não importada foi usada em toda sua extensão; uma troca de engenheiros o fez não ter ponte elevadiça, seu nome foi para homenagear um nobre e foi dado de presente ao mesmo, que morreu sem conhecer o local; logo na entrada uma energia forte, portas originais.. logo após a entrada as masmorras, sensação de angústia, peso no ar; seguindo adiante chegamos ao centro exato do local, sabemos que ali funcionava como uma pequena cidade, sua extensão toda se mostra totalmente simétrica, sistemas complexos de água, estruturas e medidas para que o vento circulasse bem, é possível enxergar e sinalizar de um baluarte ao outro; engenheiros e arquitetos deveriam ver, falamos sobre as estruturas do lugar, história de ser feito nas coxas (dos escravos fazendo telha, a das mulheres eram consideradas perfeitas); subindo nas muralhas a sensação de ver tudo, sentimento bom; entrar no baluarte parecia que seria divertido porém se mostrou no fim triste, imaginei como seria a vida de um sentinela que ali ficava; finalizando, sabemos um tanto sobre a presença feminina no lugar, antes da construção ali funcionava um quilombo matriarcal chefiado por Ana Moreira em 1775 com possível ligação ao Quilombo do Piolho chefiado por Teresa de Benguela, possivelmente foram expulsos ou coisa pior.. sobre as mulheres que viviam ao redor do forte e que prestavam serviços ao local. Mas isso apenas está presente em cartas. Não chegam a aparecer nas histórias oficiais do lugar.


 
 
 

A VIAGEM, por Zaine Diniz
Mais uma jornada, mochila pronta e pé na estrada! Uma viagem longa se inicia, mais ou menos 12 horas de estrada, e que estrada!!!   Saímos as 20 horas de uma previsão de saída as 19, enfim, na primeira hora de viagem já pude pressentir como seria as 11 restante, mas acreditem, as 11 restantes superaram os meus pressentimentos. Depois da primeira parada em Itapuã para um lanche rápido, o sono veio forte, o barulho de ônibus, a poltrona extremamente desconfortável, estreita e desajeitada e eu mais ainda, tentando arrumar um jeito de me acomodar.  Logo nas primeiras horas as dores apareceram com força, nas pernas, no braço esquerdo, no quadril e o pior... cabeça!   A voz que tentava explicar os por quês de tanto buraco, solavancos ocasionados por quebra molas que não foram vistos pelos motoristas, e eu tentando manter a calma e a boa educação, tentando... pois hora e outra escapava um “palavrão”. Às vezes parecia, tinha a sensação que estava delirando, enfim uma noite de tortura, de mil sensações, que pra mim já estava bom! Poderíamos já voltar!!  Nada mais que me dissessem sobre Forte, Floresta, rios e afins, nada mais me animaria aquele momento... melhor que nem falassem comigo. Esperava que o trajeto fosse feito com um pouco de conforto, uma poltrona que eu pudesse inclinar e dormir... mas isso não aconteceu e o jeito foi apelar para um relaxante muscular, numa  dose cavalar. Depois disso, a viagem seguiu. Não estou reclamando, apenas relatando já que sou instigada a escrever sobre o processo, as sensações e sentimentos e então lá vai, um turbilhão. É um processo intenso e para realizar o trabalho que propormos temos que mergulhar nessas águas e embrenhar nessa mata, pisar nessa terra e se encher de vivências para que possamos atuar com o mínimo de verdade nos nossos corpos e voz. Pela manhã chegamos com uma chuva fina e fria... metade das dores se foram, mas a coluna ainda estava destruída. Um bom banho em um hotel agradável, me trouxe de volta a mim mesma. Voltei a ser a pessoa “normal” paciente, gentil e com humor sustentável. Pronta pra mergulhar nessa história.
 
 




   

Por Flavia Diniz
Quando você está envolvida numa obra, numa pesquisa, tudo vira inspiração. Tudo remete ao texto, à cena. O corpo reage. Zona de desconforto. A cada freada brusca, instantaneamente vem a cena do seringueiro caindo ao rio, com as mãos atadas e tentando segurar a vegetação com os pés. Energias boas e ruins. Calafrios. Todas essas sensações dentro de um só lugar. Uma construção erguida por sangue, lágrimas, desigualdade... Dentro da mata, outras energias... A mãe da mata conhece cada um, a intenção das pessoas que entram pra explorar. Ao entrar sem permissão, a pressão baixa, um pouco tonta, até compreender a dimensão do lugar, a história tão pouco contada. Instabilidade à estabilidade. Experiência esplendorosa. Energia que reverbera ao corpo. Conexão. A contemplação e percepção dos astros iluminados: o pôr do sol e a lua que minguá.

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